ATENÇÃO: Blog sem vínculos institucionais! Instrumento particular do Professor. Este blog não substitui a presença do aluno em classe!

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A arte de ser feliz

Estamos de férias. Por isso fica como sugestão a leitura de um texto que leva-nos a sonhar um pouco. É um poema de Cecília Meireles, escritora brasileira, que soube ver a vida com olhos diferentes. Exatamente como as crianças são capazes.

Boas férias. Boa leitura!

Abraços fraternais.
Professor João Cesar.


----------------------------


A Arte de Ser Feliz


Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na
ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo
costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando
o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado
no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me
completamente feliz.


Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No
canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde
iam as flores? quem as comprava? em que jarra, em que sala, diante
de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham
criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las?
Eu não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.


Houve um tempo em que minha janela se abria para um terreiro, onde
uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da
árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher,
cercada de crianças. E contava histórias. Eu não a podia ouvir, da
altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque
isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal
expressão no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão
compreensíveis, que eu participava do auditório, imaginava os assuntos 

e suas peripécias e me sentia completamente feliz.


Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que
parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um jardim quase seco.
Era numa época de estiagem, da terra esfarelada,e o jardim parecia
morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde,e,
em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as
plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para
que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o
homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e
meu coração ficava completamente feliz.


Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam o muro. Gatos que abrem e fechamos olhos,
sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como
refletidas no espelho no ar. Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. Às vezes, um galo canta. Às vezes,
um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu
destino. Eu me sinto completamente feliz.


Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante
de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que
só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é
preciso aprender a olhar, para poder vê-las
assim.



Cecília Meireles

===========
Conectado com o Professor João César:

http://aulanossa.blogspot.com/ => Fique conectado com as aulas do Professor João César - São Paulo (SP) - Brasil. Transparência verdadeira e não demagógica é permitir que a Comunidade Escolar acesse as aulas e interaja com elas.

http://cotidianoescolar.blogspot.com/ => Ideias e opiniões de fatos do dia a dia escolar. Espaço reservado a uma nova forma de ver o cotidiano escolar.

Destinado somente a Educadores, Educandos e respectivos familiares; mensagens anônimas serão ignoradas.